quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Inutilmente


Inutilmente
Floriram os ipês ali da praça
e, quando a gente passa,
-porque o vento as derruba em profusão –
vai esmagando flores pelo chão.
Como ciclópica oficina
pulsa, ao redor, a vida citadina.
Arranha-céus fugindo para o alto
numa arquitetura funcional;
automóveis rodando sobre o asfalto
e, de fundas angústias carregada,
a multidão correndo, alucinada,
vazia de Ideal
Babélica, apressada,
toda essa gente não repara em nada:
não vê, em cima, a loira floração,
nem vê que pisa em flores pelo chão.
Os ipês se enfloraram, mas em vão . . .
Sua mensagem clara, colorida,
-um hino de louvor ao Belo e à Vida –
fica rolando, inútil, pelo chão,
fica, inútil, rolando pelo ar,
pois os homens não sabem mais sonhar.



Graciette Salmon
In: A Vida Por Dentro
Foto sem crédito . Ipê de Porto Alegre

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

José



E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Pequeno Esclarecimento




Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.